Todos nós fomos rebeldes de alguma forma, ou pelo menos grande parte de nós. Julgávamos-nos como os detentores da sabedoria e demasiado cultos para dialogar com submissos, dito deste modo parece que estou a caracterizar góticos, mas desenganem-se, no fundo sabemos que estou a falar da idade do armário, aquela idade quando nos víamos a responder insolentemente aos professores e aos pais, ou hoje em dia a beber álcool porque não é preciso ir muito longe para arranjar uma garrafa de vinho ou cerveja, ou seja a rebeldia de hoje cai no facilitismo e já é tão institucionalizado que já não é rebeldia... Porém, não escrevo para criticar a pseudo-rebeldia de agora mas para relatar uma história épica que está a cair no esquecimento.
Carlos era um rapaz humilde, religioso, às vezes irritante porque teimava em não emprestar canetas nem a dizer as horas, no entanto ele era um dos meus melhores amigos e quem o conhecia, como eu desde o quinto ano, nunca imaginaria que Carlos alguma vez se pudesse revoltar contra alguém. Mas esse dia chegou no décimo ano, numa aula de História de Arte, ensinada por uma professora brasileira, arquitecta de formação, que cometeu a proeza de me mudar três vezes de lugar numa só aula sem me expulsar, parece que ela só se interessava pela integridade cultural dos seus alunos. Esta professora já tinha dado algumas más notas a Carlos, sempre com alguma argumentação contra a nota, mas nunca foi nada demais e isto teria passado em branco se a mãe de Carlos não fosse licenciada em História de Arte. Como os nascidos em 86 foram os últimos que resolviam os problemas escolares pessoalmente, não deixando os pais interferirem nesses assuntos, até porque não convinha muito devido à Matemática ser realmente problemática, não como agora, portanto depois de outra má nota, Carlos esperou pelo intervalo e que todos saíssem. E assim deu-se um embate épico.
Na verdade o embate foi curto e seco, Carlos chegou-se à professora e disse.
Já que tem ficado com as minhas notas, fique também com as moedas.
Pôs a mão ao bolso das calças de fato-treino azul escuro da Adidas, que ele tanto usava, e atirou-as para cima da mesa e retirou-se sem mais uma palavra. Quando a aula recomeçou, Carlos não estava sentado, tinha ido para casa e a professora ficou o resto da aula a reclamar sozinha, dizendo e chamando-lhe coisas como complexado e mania da inferioridade. O que provavelmente era verdade mas o certo é que Carlos nunca mais foi o mesmo, porque finalmente assumiu-se como mitra, mas ao contrário dos outros dessa... classe... continuou a estudar.
E assim, daqui a alguns anos, quando fizerem a reunião de colegas de turma 2001-2002, eu lhe perguntarei se ainda se lembra quando lhe chamei Muhammed logo após o 11 de Setembro e ele ripostou com Kamon, as quais ambas as alcunhas se mantiveram ao longo do secundário, com várias repetições, embora Muhammed tenha tido variações conforme o estado de espírito dos colegas como Muhamas ou Mukamba, que no décimo segundo ano pedi a uma amiga minha que tinha Matemática com ele e que ele não conhecia a cantar-lhe "tenha um bom dia com Mukamba" no seu aniversário. Todavia, eu não serei convidado porque alguém irá pensar na integridade física do conjunto de colegas, mas estou certo que a revolta épica de Carlos, que fez Che Guevara chorar de inveja no seu túmulo ou vala comum, não sei ao certo, irá ser chamada à conversa.
Carlos era um rapaz humilde, religioso, às vezes irritante porque teimava em não emprestar canetas nem a dizer as horas, no entanto ele era um dos meus melhores amigos e quem o conhecia, como eu desde o quinto ano, nunca imaginaria que Carlos alguma vez se pudesse revoltar contra alguém. Mas esse dia chegou no décimo ano, numa aula de História de Arte, ensinada por uma professora brasileira, arquitecta de formação, que cometeu a proeza de me mudar três vezes de lugar numa só aula sem me expulsar, parece que ela só se interessava pela integridade cultural dos seus alunos. Esta professora já tinha dado algumas más notas a Carlos, sempre com alguma argumentação contra a nota, mas nunca foi nada demais e isto teria passado em branco se a mãe de Carlos não fosse licenciada em História de Arte. Como os nascidos em 86 foram os últimos que resolviam os problemas escolares pessoalmente, não deixando os pais interferirem nesses assuntos, até porque não convinha muito devido à Matemática ser realmente problemática, não como agora, portanto depois de outra má nota, Carlos esperou pelo intervalo e que todos saíssem. E assim deu-se um embate épico.
Na verdade o embate foi curto e seco, Carlos chegou-se à professora e disse.
Já que tem ficado com as minhas notas, fique também com as moedas.
Pôs a mão ao bolso das calças de fato-treino azul escuro da Adidas, que ele tanto usava, e atirou-as para cima da mesa e retirou-se sem mais uma palavra. Quando a aula recomeçou, Carlos não estava sentado, tinha ido para casa e a professora ficou o resto da aula a reclamar sozinha, dizendo e chamando-lhe coisas como complexado e mania da inferioridade. O que provavelmente era verdade mas o certo é que Carlos nunca mais foi o mesmo, porque finalmente assumiu-se como mitra, mas ao contrário dos outros dessa... classe... continuou a estudar.
E assim, daqui a alguns anos, quando fizerem a reunião de colegas de turma 2001-2002, eu lhe perguntarei se ainda se lembra quando lhe chamei Muhammed logo após o 11 de Setembro e ele ripostou com Kamon, as quais ambas as alcunhas se mantiveram ao longo do secundário, com várias repetições, embora Muhammed tenha tido variações conforme o estado de espírito dos colegas como Muhamas ou Mukamba, que no décimo segundo ano pedi a uma amiga minha que tinha Matemática com ele e que ele não conhecia a cantar-lhe "tenha um bom dia com Mukamba" no seu aniversário. Todavia, eu não serei convidado porque alguém irá pensar na integridade física do conjunto de colegas, mas estou certo que a revolta épica de Carlos, que fez Che Guevara chorar de inveja no seu túmulo ou vala comum, não sei ao certo, irá ser chamada à conversa.
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